sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Emerson Fittipaldi falando sobre o GP dos EUA de 1970

Trago aqui para vocês um relato do Emerson Fittipaldi sobre sua primeira vitória. Espero que gostem.


Abraço,

Rodrigo Klango

“Uma semana antes do Grande Prêmio dos Estados Unidos, em Watkins Glen, a antepenúltima etapa da temporada de Fórmula 1 de 1970 (ERRATA: Foi a penúltima etapa), Colin me chamou ao seu escritório. Depois de duas semanas de sofrimento, tinha chegado o momento de saber qual seria meu futuro naquela história. Será que ele iria me substituir? Em resumo. O que ele disse foi:

 

- Emerson, cheguei a uma decisão. Quero que você seja meu piloto número um. Você aceita assinar um contrato comigo?

Com lágrimas nos olhos, numa mistura de alegria e alívio, respondi:

- Aceito.

- Então quero que você vá aos Estados Unidos, faça uma boa corrida, dirija discretamente e termine a prova. Vamos começar do zero em 1971.

 

Era muita coragem dele me dar o lugar depois do que tinha acontecido em Monza. E muito delicado de sua parte não me pedir que vencesse a corrida, mesmo sabendo que, se vencesse, Jochen Rindt seria o campeão mundial pela Lótus. Tudo o que ele queria era que eu terminasse a corrida inteiro, para poder me preparar para a temporada seguinte.

 

Mas eu não tirava da cabeça que, se vencesse a prova, transformaria Jochen Rindt no primeiro piloto da história da Fórmula 1 a ser campeão mundial póstumo (ERRATA:

Qualquer piloto que vencesse, tirando Jacky Ickx, faria o mesmo). A imprensa especializada fez questão de me informar: se eu vencesse e Jacky Ickx, da Bélgica, terminasse atrás do segundo lugar, Rindt seria o campeão.

 

Fui para Watkins Glen tentando não pensar em vencer, mas em obter uma experiência valiosa para merecer a posição de primeiro piloto da Lótus em 1971. Eu ainda estava muito assustado. Uma coisa é pedir a um piloto que termine a corrida sem acidentes e outra é garantir que isso vá acontecer.

 

Fui com Maria Helena de Londres para Nova York, em minha primeira visita aos Estados Unidos. Queria muito ver de perto Manhattan, que eu só conhecia de revistas e televisão, mas precisávamos de tempo para nos restabelecermos da diferença de fusos horários e pegamos um avião para Elmira, uma cidadezinha do Estado de Nova York, a cerca de 50 quilômetros de Watkins Glen.

 

Eu imaginava que Watkins Glen era uma comunidade movimentada, como Montecarlo ou Monza, e fiquei meio decepcionado ao chegar lá. É um lugar pequeno, no meio do nada. Eu não conseguia acreditar que ali era o lugar escolhido para sediar a Fórmula 1 nos Estados Unidos. Onde estavam todos os espectadores? Onde o público de hospedaria? Eu ainda não sabia que nos Estados Unidos a maioria dos espectadores acampa ou fica em trailers, o que pra mim foi uma grande surpresa.

 

Ficamos hospedados no Glen Motor Inn, junto ao lago que tem o nome da cidade. As árvores estavam se tingindo com a cor do outono, num belo espetáculo da natureza. Poucos dias antes da corrida, o tempo esfriou e no sábado, dia do treino de classificação, acordei com febre e um resfriado horroroso. Antes do início da classificação, eu estava tomado por sentimentos negativos. A morte de Jochen Rindt ainda me perseguia. Além disso, estava sentindo a pressão de tomar o lugar dele, de ser o piloto número um da Lótus, de ser obrigado a não fazer nada que desagradasse a Colin, e de ter ficado resfriado justamente no dia daquela corrida. Estava tudo errado.

Esse tipo de pensamento pode destruir uma pessoa. Eu estava sem confiança, sem saber se estava à altura do que esperavam de mim. Não tinha experiência e havia participado de exatamente 3 provas na Fórmula 1.

Mas tudo aquilo sumiu por enquanto quando saí para a pista e entrei no carro. Aquele era meu lugar, e fiquei feliz com o bom funcionamento do carro da Lótus. Fui o quinto mais veloz (ERRATA: Emmo foi o terceiro). O bom tempo que consegui na classificação melhorou consideravelmente meu estado de espírito.

Às 8 horas da noite do sábado, meu resfriado piorou e a febre aumentou. Liguei para Colin e pedi ajuda. Eu precisava de um médico. Colin foi ao meu hotel e chamou um médico, que me deu uma injeção de penincilina.

 

Naquela noite, Colin abriu seu coração para mim:

- Emerson, vou dizer uma coisa que você não vai gostar.

- O que foi, Colin? – Eu reagi, preocupado.

- Não quero ter uma relação de amizade com você – Ele disse.

 

Achei aquilo muito estranho, mas ele logo explicou que, depois do que acontecera com Jim Clark e Jochen Rindt, tinha jurado nunca mais se afeiçoar a nenhum piloto.

- Tenho muito medo de sofrer outra perda na minha vida – Desabafou, ainda abalado pela morte de Colin.

 

Mas é claro que acabamos ficando amigos. Colin gostava muito de mim e foi meu maior mestre. Foram cinco anos de aprendizado que valeram por mil. Ele era o melhor do mundo, um gênio, e me ajudou muito na minha formação de piloto de Fórmula 1.

 

Passei aquela noite em claro. Na manhã seguinte, no dia da corrida, sentia-me ligeiramente melhor. A febre baixara um pouco, mas ainda estava incomodando. Entrei no carro alugado para ir para a pista e logo percebi que tinha cometido uma imprudência: A única estrada que levava até lá estava tomada por um engarrafamento de quilômetros de extensão e parecia mais um estacionamento. Temendo chegar atrasado para o aquecimento, passei para o acostamento e segui em frente. Imediatamente um policial me parou.

 

- Aonde o senhor pensa que vai? – perguntou.

 

Mostrei minhas credencias, informei que ia competir na prova e tinha que chegar a tempo para o treino. Felizmente ele não só compreendeu como entrou em sua viatura, ligou a sirene e abriu caminho para mim até a pista.

 

Vencer a corrida decididamente não era a minha prioridade. Tudo o que eu queria era fazer o que Colin pedira: Chegar ileso ao fim da corrida. Já havia cometido um erro em Monza. Sabia que, se cometesse outro em Watkins Glen, Colin me substituiria e eu estaria fora da equipe e com a reputação arruinada.

Eu minha imaginação chegava a ouvi-lo dizendo:

 

- Emerson, não posso aceitar dois erros seguidos. Adeus.

 

Era esse o pesadelo que me dominava antes do treino. Mas, como sempre, quando entrei no carro e comecei a treinar, tudo ficou para trás. A adrenalina aumentou tanto que o resfriado e a febre e o resfriado pareceram sumir. Dentro de cinco ou seis voltas, eu tinha esquecido a febre, o resfriado, o mal-estar, os sentimentos negativos. Era simplesmente maravilhoso estar ali, no cockpit do carro. Consegui me concentrar perfeitamente na direção e só depois de dizer a Colin e aos mecânicos que estava tudo bem é que me lembrei do resfriado. Aquilo me deixou com uma sensação positiva antes da corrida.

 

Jacky Ickx largou em primeiro lugar no grid e eu, na fila atrás dele. Ao contrário de vários outros pilotos que largaram com pneu de chuva, eu decidi largar com pneus para pista seca. A largada foi boa, e como Colin pedira, pilotei com prudência. A pista estava encharcada pela chuva e tive muita dificuldade para controlar o carro. Acabei caindo para oitavo, mas só precisava chegar ao fim da corrida.

 

Jackie Stewart assumiu a liderança da prova, com Pedro Rodríguez, do México, em segundo e Ickx em terceiro. A pista foi secando e Clay Regazzoni e Chris Amon tiveram que parar para trocar pneus, e eu subi para quarto lugar. Na primeira metade da corrida, mantivemos essa ordem: Stewart, Ickx, Rodríguez e eu. À medida que a corrida progredia, subi minha posição e fiquei atrás somente de Pedro Rodríguez. Faltando oito voltas para o final da corrida, ele, de repente, teve que entrar no boxe para abastecer. Eu não conseguia acreditar. O meu sonho de vencer uma corrida de Fórmula 1 estava prestes a se realizar e, com minha vitória, Jochen seria campeão.

 

As últimas voltas pareciam intermináveis, foram as mais longas da minha vida. Mas, ao mesmo tempo, tudo ficou maravilhoso. Faltando quatro voltas, eu estava decidido a não cometer nenhum erro, a não deixar que a vitória me escapasse por entre os dedos. Estava muito concentrado, dedicado a manter o controle do carro e também das minhas emoções. Aquele era um dos dias especiais em que eu estava ligado ao carro e o carro, a mim. Meu corpo e o carro eram uma coisa só. O carro falava comigo, eu respondia e nós nos comunicávamos em sintonia absoluta.

 

Depois da última curva em Watkins Glen, passa-se pelos boxes e pela linha de chegada. Quando recebi a bandeirada, olhei para trás e vi Colin Chapman pulando e jogando para o alto seu boné preto, tipicamente inglês, como sempre fazia para comemorar as vitórias da Lótus. Foi esta imagem de Colin Chapman que ficou marcada para sempre em mim. Ele tinha jogado o boné para Graham Hill, Jim Clark e Jochen Rindt. E agora lá estava Colin jogando o boné para mim! Sentado no carro, enquanto cruzava vitorioso a linha de chegada, as lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos.

 

Era minha quarta corrida de Fórmula 1 e eu tinha vencido. Sentia uma onda de emoções conflitantes. Uma felicidade intensa por ter vencido e uma tristeza profundo porque Jochen Rindt, a quem realmente pertencia o título de campeão, não estava ali para recebê-lo. Quando fui para a área do pódio, Colin correu para mim e me abraçou aos prantos, gritando:

 

- Jochen ganhou o campeonato! Nós ganhamos o campeonato mundial! Você venceu sua primeira corrida!

 

Ele beijou Maria Helena e quase me beijou também. Depois da tragédia em Monza, vencer em Watkins Glen era uma reviravolta em nossas vidas. Num intervalo de poucas horas, a nuvem negra tinha desaparecido. Todos os mecânicos festejavam e a escuderia ficou livre do pesadelo.


Além da merecida homenagem a Jochen Rindt, o mais importante para a Lótus era que a vitória representava um trampolim para a temporada seguinte. Até o início dela, a imprensa não parou de escrever sobre nós. Os mecânicos, que andavam apáticos, mais uma vez esperavam ansiosos a nova temporada. Todos nós sabíamos que os quatro meses de férias seriam excitantes, as nossas expectativas eram altas. Eu, pessoalmente, estava nas nuvens. Por mim, por Colin Chapman, por toda a equipe. E principalmente por ter conquistado o campeonato para Jochen Rindt. Nossa única dúvida era até onde poderíamos chegar em 1971.

 

Na segunda-feira seguinte ao milagre de Watkins Glen, Maria Helena e eu voamos para Nova York. Meu orçamento ainda era limitado e ficamos num hotel barato na Broadway. O funcionário do hotel me viu e pegou um exemplar do New York Times que estava sobre o balcão da portaria. A manchete era: “EMERSON QUEM? VENCEDOR DO GRANDE PRÊMIO DOS ESTADOS UNIDOS. PRÊMIO: U$ 50.000”. Ele leu a mensagem em voz alta, me olhou de modo estranho e quis saber:

 

- É o senhor mesmo? E ganhou mesmo 50 mil dólares?

 

Eu confirmei, mas aí achei que tinha feito uma grande besteira. Estávamos numa espelunca em Nova York e o porteiro pensando que carregava aquele dinheiro todo na minha pasta. Arrastei toda a mobília do quarto para a frente da porta e tentei dormir com um olho aberto e um ouvido atento a qualquer ladrão que tentasse forçar a entrada. Mas estava exausto e logo adormeci profundamente, abraço a Maria Helena e sonhando com um futuro brilhante.

 

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